"Acho que a Primavera está dentro de mim. Sinto a Primavera despertar, sinto-a em todo o meu corpo e em toda a minha alma. Tenho de me esforçar para agir normalmente. Estou num estado de total confusão, não sei o que ler, o que escrever, o que fazer. Só sei que anseio por qualquer coisa..."
O Diário de Anne Frank
Retomando o tema do turno da noite, há que reconhecer as vantagens de sair do emprego às nove da manhã.
Ir ao Pingo Doce, por exemplo, é toda uma nova experiência já que os clientes do período 9h - 11h são, regra geral, pessoas muito folgadas.
É refrescante ouvir as conversas na fila para pagar. "Então mas esses iogurtes não têm desconto?", enquanto se saca, lentamente, do catálogo das promoções semanais, religiosamente dobrado e acomodado no fundo da mala. Dois anos depois, identificado o artigo, com a preciosa ajuda da menina da caixa, percebemos que os iogurtes Mimosa é que estão com redução e não os da Danone. Ufa, já posso dormir bem mais descansada!
Também aprecio ouvir os pedidos invulgares na charcutaria, como a "mortandela", uma variante geneticamente modificada do tradicional enchido.
Este horário também é favorável para tratar daqueles assuntos chatos, como a ida ao banco, aos correios ou à loja do prestador de telecomunicações. Nesses momentos de espera, junto ao balcão, observo atentamente as dinâmicas assistente/cliente e congratulo-me por prestar atendimento exclusivamente telefónico. Em suma, sou feliz.
Domingo à noite. Para muitos, é tempo para relaxar, ver aquele episódio da série pirateada. Para outros, talvez, tempo para preparar a(s) marmita do(s) dia(s) seguinte(s). Também haverá aqueles para quem a noite de domingo é o momento depressivo da semana, véspera do temido regresso ao trabalho.
Para mim, desde a semana passada, domingo à noite é segunda de manhã. Confusos? Eu também estou. Daqui a uma hora e pouco, meto-me a caminho do emprego. Amanhã, quando o Facebook estiver repleto de posts de ódio à manhã de segunda-feira, correndo tudo bem, eu estarei a dormir.
A ideia de trabalhar à noite sempre me causou uma certa espécie. Durante muitos anos, vi o meu pai trabalhar por turnos e aquilo fazia-me confusão. Dormir de dia, claramente, não funcionaria para mim.
Nos dias anteriores à minha estreia no nightshift, pensei em várias questões:
1. como vou fazer a transição para o turno nocturno?
2. o que comer de madrugada/ antes de ir dormir/ ao acordar?
3. ir para a cama imediatamente após o turno ou tentar fazer coisas durante a manhã?
4. que vida social conseguirei ter durante a semana?
5. como orientar a minha vida ao fim de semana?
Depois de muito pensar, delineei a seguintes estratégias, as quais iria seguir à risca:
1. vou sair sábado à noite, deitar-me de manhã e acordar, fresca que nem uma alface, no fim da tarde de domingo.
2. sopa, fruta, iogurtes/ um pequeno almoço leve/ uma refeição equilibrada, completa.
3. tentar aproveitar a manhã, claro: ver séries, arrumar coisas, tratar da roupa, passear, tomar esse pequeno almoço fora enquanto se lê um livro.
4. combinar cafés à noite, antes de ir trabalhar.
5. aproveitar o embalo, repetir as rotinas para retomar o mesmo turno com energia.
Feito o balanço da primeira semana, aqui fica a triste verdade:
1. a saída à noite ficou inviabilizada por uma mudança de casa mais complicada do que se supunha. As dores musculares e de coração atiraram-me à cama relativamente "cedo". Fui trabalhar esgotada e com um delay cerebral assustador.
2. sandes e iogurtes/ Nestum em modo argamassa/ take away do Pingo Doce.
3. quase sempre, caí na cama mal cheguei a casa.
4. vida social inexistente.
5. saí durante o dia e dormi à noite.
Posto isto, a poucas horas de começar uma nova semana de trabalho, diria que está tudo bem. Gosto de ver o copo meio cheio. De café, se faz favor.
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