“Porque é que não acabas com isto?”
Ela devia ter razão. Afinal, ali estava eu, escondida dos meus colegas, na casa de banho, com a cara esborratada de rímmel e uma disfunção mental digna de internamento. Tinha chegado ao meu limite. Na segunda-feira seguinte, pedi a minha demissão. Não tinha outro emprego assegurado nem a menor ideia do que ia fazer. Sabia que não estava a fugir mas sim a tentar proteger o que restava da minha pessoa.
Dias depois, comecei a sentir grandes melhoras nos sintomas da doença que me tinha sido diagnosticada meses antes. Síndrome do Cólon Irritável. Vamos simplificar para SCI que “cólon” já por si é mau, quanto mais irritado.
“Fofinha, isso é tudo psicológico. Você precisa relaxar, encontrar escapes para o estresse do dia-a-dia, ter mais tempo pra você”, disse-me a Doutora (não torças o nariz pequeno grammar nazi, a senhora é brasileira).
O diagnóstico do SCI baseou-se em várias análises ao sangue, raio x, endoscopia e colonoscopia. Sim, tiveram que me enfiar um tubo rabo acima para assegurar que o meu problema era mental.
Inicialmente, achei que o meu metabolismo estava com uma crise de personalidade. Tudo o que entrava, saia rapidamente. “Deve ser dos cereais integrais”, pensava. Depois, achei que era celíaca ou intolerante à lactose. Durante um mês, cortei no glúten e em tudo o que pudesse ter qualquer vestígio de leite. No final de contas, e depois de gastar pequenas fortunas nos alimentos de substituição, percebi que não era nada daquilo.
“Isso tudo é sistema nervoso”, dizia a minha mãe enquanto eu continuava em modo negação. Cagar de meia em meia hora não tinha nada de psicológico. Tinha cheiro e era real. Se a isso somarmos os exercícios contorcionistas da tripa, a banda sonora e a barriga de nove meses ao final do dia…pois, não podia ser psicológico. Mas era. Os vários exames assim o comprovaram e eu, finalmente, aceitei que esta doença era sinal de alerta de um mal muito maior.
Esta história já tem alguns anos. Recupero-a para lembrar que nenhum emprego vale a nossa saúde. É certo que a demissão, no meu caso, foi um desfecho extremado, vá. Mas foi o caminho certo para mim, na época, do qual não me arrependo.
O importante, acima de tudo, é agir aquando dos primeiros sintomas, seja um distúrbio gastrointestinal, privação de sono, falta de concentração, entre outros. Se o emprego está a afectar aspectos da nossa integridade física e psíquica, é altura de olhar friamente para a situação e actuar. Nem sempre é fácil reconhecer o mal e, mais difícil ainda, pedir ajuda.
Apesar das voltas que a minha vida tem dado, felizmente, posso dizer que o SCI está controlado. Não tomo qualquer medicação e voltei a consumir lacticínios sem qualquer problema. No entanto, estou consciente de que, a qualquer momento, algo, ou alguém, pode despertar a fúria do bicho.
Por isso, é tentar viver um dia de cada vez. E ter muita, muita calma.
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