10.11.15

“Pode explicar o que aconteceu aqui pelo meio?”

 

É certinho que esta questão vem à baila em qualquer entrevista de emprego.

 

Licenciei-me em Ciências da Comunicação, estagiei na área da minha especialização, Comunicação Institucional, e, durante cerca de cinco anos, trabalhei na “área”. As experiências seguintes têm sido acumuladas em Assistência ao Cliente, em ambiente de Contact Center. Isto ainda causa muita estranheza às pessoas.

 

Há milhares de licenciados que nunca chegam a trabalhar naquilo para que estudaram. Outros tantos somam meses, anos sem conseguir um emprego. Outros há que enfrentam um despedimento e, por falta de opção, agarram o que aparece, dentro ou fora da “área”. Quem não conhece uma história semelhante? Parece ser a norma, não é?

 

Histórias como a minha, ainda são encaradas como desviantes. “A rapariga estudou Comunicação, arranjou empregos nessa área, demitiu-se e agora anda a atender telefones? Gaita, há aqui qualquer coisa que não bate certo!” Ou o clássico “Porque é que não procura trabalho na área dela? Com estas escolhas, diria que arruinou a carreira”. Amigos, familiares e recrutadores já pensaram algo do género. Já fui questionada e criticada vezes demais.

 

Hoje, não escrevo sobre o que me levou a demitir da última Agência de Comunicação. Fica apenas a resposta que dou quando confrontada com o pecado capital que é renunciar à “área”.  

 

Comunicar ao telefone com Clientes, no âmbito de assuntos de Facturação, Suporte Técnico, ou outra coisa qualquer, é tão ou mais nobre do que contactar Jornalistas, de forma incessante, para ver publicado o último Press Release sobre bolachas digestivas.

 

Ser Assistente em Contact Center é vestir, diariamente, a camisola da empresa que se representa. É ser embaixador de uma marca, com toda a responsabilidade que isso implica. É ter acesso a informação privilegiada e ouvir, em primeira mão, o feedback de quem alimenta a máquina, o ilustre Cliente. E, mais que isso, é responder, comunicar ao Cliente a verdade da marca, em directo, sem draft ou validação. 

 

Nenhum profissional de Relações Públicas, que trabalhe em agência, como foi o meu caso, tem este tipo de inside job. Regra geral, esta pessoa gere uma extensa carteira de clientes e multiplica-se, da melhor forma que sabe e pode, entre audiências variadas. Com pouca ou nenhuma informação partilhada pelo cliente, faz omeletes sem ovos.

 

Redacção de Press Releases baseados em dois parágrafos de email, sendo que um é o que diz “Cumprimentos”. Conseguir que a receita das bolachas dietéticas seja tema de abertura do Jornal da Noite. Pelo meio, evitar trapalhadas como o envio de emails a X com a assinatura B. Deverá enviar com a assinatura A pois gere dois clientes concorrentes e a agência encontrou uma solução peregrina para se contornar a falta de ética. Ah, e a ilegalidade contratual. Confuso? Pois.

 

Quer nos bastidores, enquanto Account, quer nas trincheiras, enquanto Customer Service Representative, tenho trabalhado na “área”, SIM! A área da Comunicação é fascinante por isso mesmo. É multidisciplinar, complexa e traduz-se em varíadissimas formas, senhores!

 

Não tenho nem nunca tive vergonha das minhas escolhas profissionais. O caminho que faço desde que saí da faculdade, há quase 10 anos, enche-me de orgulho. Voltava a tomar as mesmas decisões, a passar pelas mesmas experiências. Boas ou menos boas, todas as experiências ensinaram-me algo. Todas contribuíram para ser uma melhor pessoa e uma melhor profissional. Todas colocaram-me gente e histórias das quais não prescindo.

 

“Pode explicar o que aconteceu aqui pelo meio?”

 

Evolução, meus caros. Evolução.

 

 

publicado por ARA às 00:29
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13 comentários:
De CC a 10de Novembro de 2015
Também passei pelo mesmo minha querida e confesso-te: aquilo que mais me custou, durante essa fase da minha vida, foi ouvir da boca dos meus colegas o argumento de que esses ditos "trabalhos secundários" que nós tivemos tornariam impossível voltar a trabalhar na área da formação base, isto é, em comunicação.
Portugal é um país elitista, esmifrado entre títulos.
Eu não acredito em impossíveis, acredito em paixões. E acredito na evolução. Parabéns! Continua a escrever!!! :)
De ARA a 11de Novembro de 2015
Bem sei minha querida. Ainda há pouco tempo, tivemos esta conversa :) Tal como tu, também não acredito em impossíveis. Reinvenção é uma grande arma, da qual ambas somos portadoras. Com licença para disparo :D Beijo enorme*
De ó menina a 13de Novembro de 2015
É estranho que uma profissão que emprega milhares de pessoas, com formação académica acima da média de outros sectores, continue a ser tão desconsiderada e tratada como um "trabalho menor". Isso ajuda a precariedade do sector e impede as empresas de usufruir de trabalhadores cheios de 'ferramentas' adquiridas nessa experiência, já que quem recruta, normalmente, nunca fez mais nada na vida e tem preconceitos enraizados.
De ARA a 15de Novembro de 2015
Não podia estar mais de acordo. Agradeço o comentário e aproveito para dar os parabéns pelo teu blog, o qual já sigo há algum tempo, ainda que em "silêncio" :)
De Neurótika Webb a 13de Novembro de 2015
Eu conheço tão bem o teu discurso...apesar de estar do outro lado das "barricadas".

Mas, esquecestes-te de dizer que, colegas meus foram trabalhar para as agências de comunicação, tirando assim o lugar a quem tem MESMO o curso de comunicação indicado.

Resultado: press releases com 3000 caracteres, em que o ex-colega "tenta" fazer o trabalho por nós!

Resultado do resultado: nem os leio!

De ARA a 15de Novembro de 2015
Com todo o respeito, o meu discurso descreve uma história pessoal, a minha. Nesta história, não me pareceu pertinente referir o ingresso dos seus ex-colegas nas agências de comunicação.

Assumindo que fala de jornalistas, conheço vários que hoje são consultores em agências de comunicação, sim. Desde que as funções não sejam exercidas em simultâneo, pelos motivos óbvios, não vejo mal nenhum nisso. Felizmente, a área da comunicação permite a reinvenção.
De The Daily Miacis a 14de Novembro de 2015
Eu ainda tenho mais uma pergunta a acrescentar aí " Mas tens procurado emprego?" como se eu quisesse ser uma desempregada " ahh mas hão de surgir oportunidades". Ao qual eu faço um sorriso amarelo e desvio o assunto.
De ARA a 15de Novembro de 2015
Essa é outra questão da praxe, infelizmente. Só quem procura activamente trabalho sabe que essa busca é, em si, um trabalho! As coisas não estão fáceis, é certo, mas é tentar e não baixar os braços. Pode não ser onde nem quando desejamos, mas as oportunidades surgem :)
De Perguntas de perguntador?? a 14de Novembro de 2015
Chamem-me burra ou coisa parecida.
Mas do que li, depreendi (apesar dos termos técnicos mas, também não sou licenciada em comunicação).
Isto de ser:"Assistência ao Cliente, em ambiente de Contact Center ." É trabalhar num call center? É que se sim e ser apologista deste trabalho, é algo de estranho.
E digo isto com conhecimento de causa.
De ARA a 15de Novembro de 2015
Boa noite. Sim, refiro-me ao cargo de operador de call center. Por uma questão de hábito, utilizei os termos que são aplicados na última empresa onde passei. Tal como em todos os sectores profissionais, há empresas e empresas, projectos e projectos. Felizmente, a experiência que vivi nos últimos anos é francamente positiva. Contudo, reconheço que a realidade que conheci é muito contrastante com aquela que, infelizmente, se vive na maioria dos call centers nacionais. Não pretendo ser apologista dessa realidade mas sim elogiar e dignificar quem a vive.
De Anti-Social a 14de Novembro de 2015
Muito bem! Eu também fui parar a um call-center depois de 5 anos a trabalhar na minha "área" original. A saída da "área" foi consciente e deliberada, a entrada num call-center foi mero acaso: agarrei a primeira coisa que apareceu, porque nunca teria feitio para viver do subsídio. Eis que muito pouco tempo (3 meses) depois de ser "comunicadora" numa linha de fidelização sou convidada para entrar num projecto novo da empresa do call-center, passado uns dias sou convidada a liderar esse mesmo projecto, que teve imenso sucesso, evoluiu para uma escala maior e muito mais sólida, fui novamente convidada para integrar os quadros da empresa "cliente" e dona do projecto onde trabalhava. Foi uma sucessão de acasos e de mérito próprio que me trouxeram até ao ponto em que estou hoje. Numa área completamente distinta, impensável há uns anos, onde subi com esforço e dedicação, mas também com sucesso e reconhecimento. Zero arrependimentos, pelo contrário! :)
De Perguntas de perguntador?? a 14de Novembro de 2015
Obrigada pela resposta.
E perante a mesma: Compreendido!!
De ARA a 15de Novembro de 2015
Parabéns pelo caminho e pela progressão :) Sinto, pelas suas palavras, que gosta do que faz. Obrigada pela partilha da sua experiência, um exemplo fantástico de quem não teve medo de "cortar" e arriscar. Por vezes, as melhores coisas são mesmo aquelas que nos encontram e não aquelas que fariam parte de um suposto caminho.

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