5.11.15

Vai um balde de água fria

 

Quem é que já trabalhou numa empresa que viria a falir? Quem é que já trabalhou num escritório cuja limpeza era assegurada pelos colaboradores? Casa de banho incluída. Quem já trabalhou numa empresa gerida (inserir risos) por um casal, em que os cônjuges padeciam de depressões nervosas e de soltura intestinal? Eu sim, pois claro.

 

Na época, eu era uma jovem recém licenciada e procurava um estágio profissional. Por intermédio de uma pessoa amiga, tive conhecimento da empresa e o meu perfil agradou o chefe mas pouco lá do sítio.

 

Uma conversa bastante informal foi agilizada para um sábado de manhã, num café. O tipo tinha passado como Comercial, logo, muito savoir faire nas lides das vendas. E eu, lá comprei a ideia de trabalhar naquela empresa familiar. Chegada a conta, qual cavalheiro, o senhor não tinha um tusto. “Que chatice, desculpa lá ó Andreia”.

 

Para se redimir, o sujeito combinou dar-me boleia até ao escritório, naquele que seria o primeiro de muitos dias de forrobodó matrimonial. O ponto de encontro seria o mesmo café da entrevista, às 9h. Uma hora e meia depois, o casal maravilha aparece no seu carro xpto, pago (inserir risos, de novo) a leasing. Nem bom dia a senhora me deu. Educada ela. Um mimo.

 

Não sendo psicóloga, nem zoóloga, bastaram alguns minutos (da viagem mais loooooonga de sempre) para perceber o que para ali ia. Ele, muito bem parecido, no seu género. Ela, uma pequena lontra com cara de carneiro mal morto. Reza a lenda que a senhora teria engordado horrores com a gravidez, nunca tendo recuperado a cintura de vespa. Reza a lenda que uma depressão pós-parto se arrastaria, até então, e que os medicamentos não teriam qualquer efeito adelgaçante.

 

A tipa claramente tinha problemas de auto-estima. Ele não tinha vergonha na cara. Ela gostava de mandar lá no tasco. Ele gostava de decidir coisas sem a consultar. Receita para o sucesso. Rapidamente fui alvo de ciúmes, por parte da primeira, e de insinuações ao melhor género novela mexicana, por parte do segundo. Uma coisa é certa, aqueles dois apenas estragavam uma casa. E cagavam, senhores, se cagavam naquele escritório.

 

Ela era a pessoa das finanças e até trabalhava. Ele fingia muito bem que trabalhava. Chegava ao escritório, removia o portátil da maleta, lenta e cuidadosamente, ia ao café, enviava uns faxes no wc, mandava umas larachas, passeava ao telemóvel, almoçava, cagava, passeava ao telemóvel, desmontava o estaminé. Dia feito. Pelo meio, invariavelmente, amuava e discutia com a senhora.

 

Durante uns tempos, a limpeza do escritório era feita pelas colaboradoras, sob promessa de se vir a contratar uma empresa especializada. A manutenção da casa de banho era a tarefa mais concorrida na casa. Era ver o pessoal à porrada, a ver quem agarrava primeiro a esponja e a lixívia. Not.

 

A empresa de limpezas foi contratada, a equipa aumentou e tudo indicava que o negócio estava a florescer. Reforço da frota automóvel, de alta cilindrada, férias e moradias em zonas muito pobres do nosso país. Contudo, meses depois, a sujidade acumulava e, com ela, um prenúncio de "aí vem merda". Os fornecedores cobravam as suas prestações de serviços, os salários não eram revistos e algumas pessoas começavam a reclamar os seus subsídios em atraso. Mais tarde, saberia-se que o sócio que injectava o dinheiro teria cortado relações com a direcção, fechando a torneirinha. O director ter-se-ia enrolado com outras sujeitas (es-can-da-lei-ra) e o casal teria deixado de o ser. Carros apreendidos, processos na ACT, Tribunal e o diabo a sete. Boa gente que ficou sem trabalho e com muito dinheiro a receber.  

 

Tive a sorte de sair de lá, com trabalho e dignidade, antes do barco afundar. Ficaram boas amizades, experiência. E muitos baldes de água naquela canalização. Minha nossa senhora.

publicado por ARA às 20:55
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2 comentários:
De CC a 5de Novembro de 2015
O que eu me ri com esta estória....
Tu e os projectos empresariais matrimoniais...
Que belo casamento :P
De ARA a 10de Novembro de 2015
"Vão-se os anéis, ficam os dedos". No meu caso, vão-se os empregos, ficam as estórias. Bom saber que te fiz rir =)

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